16.7.07

O caminho das estrelas



Saí pela noite tomar uma cerveja em Santa Cristina. A essas horas é mais fácil aparcar. Passei por diante de um karaoke, uma discoteca e uma pastelaria. Quando cheguei onde uma das cafetarias mais velhas da vila decidi sentar-me. Lá um grupo de dez ou doze moços de entre vinte e trinta anos falavam animadamente em catalão. Tudo na sua conduta, na sua indumentaria, no seu jeito de expressar-se revelava naturalidade juvenil, mas também civilidade e um bocado de sofisticação urbana. Aguardavam a que ficasse livre uma mesa num restaurante próximo. A espera demorou ainda uns vinte minutos. Em todo esse tempo não pronunciaram nenhuma palavra em castelhano. Que maravilha!

Na cidade da Corunha ouvir a um grupo de jovens de parecidas índoles empregar o idioma do país é uma utopia. Seria mais fácil ouvi-los falar em alienígena. Ou ouvir falar galego em Roswell, na auto-estrada das estrelas. Nem quero saber que é o que se passa em outras cidades, como Vigo, onde o abandono da língua é ainda mais marcado entre os rapazes, segundo contam as estadísticas. Muitos galegos educados, cultos, inteligentes e refinados seguem a sentir vergonha de falar a nossa língua em certos contextos. Falam-na na intimidade, com os avós. Não temos conseguido descascar o idioma da sua pele mais amarga. Há que lhe tirar o cheiro a monte. Mas isso não é possível sem uma condição politica necessária: a toma de consciência colectiva e maioritária da própria identidade nacional.

Criei-me numa vila onde ninguém deixava de falar galego em nenhuma circunstancia. Não estou tão certo de que hoje ainda siga a ser assim. Exerci a docência em centros de aldeias onde todos os rapazes falavam galego com orgulho, sem excepções, com uma prosódia incrível do boa que era. E também tenho ensinado em vilas onde nenhum rapaz o falava. Nenhum! Minto, falava-o um, que era, minha jóia, objecto de escárnio. Quem não tem a sensação de estar fora de hora em certos contextos se falar galego? A quem não lhe tem sucedido que o miram raro se empregar a língua, como se não te entendessem, como se vestisses de mergulhador ou levasses um papagaio no ombro?

A norma culta do nosso idioma é a usada em Portugal: ortografia, ortofonia, morfologia e sintaxe, uso literário assentado, etc. Eis a estrela polar que nos pode ajudar a encontrar o caminho de saída a este labirinto, a mesma que guiou aos navegantes por todos os mares para levar esta antiga língua aldeã a todo canto do mundo.

14.7.07

Quase o mesmo

Uma universidade de Arizona acaba de publicar os resultados de uma investigação na que se certifica que homens e mulheres falam a mesma quantidade de palavras no dia, derrubando assim o mito de que elas batem papo muito mais do que eles: Varões e fêmeas proferem umas 16 mil vocábulos ao dia. O que não se esclarece em essa pesquisa é qual seja o sexo mais assisado em seu falar. Imagino que o “seny”, como dizem os catalães, está repartido a partes iguais entre os dois géneros. Acho improvável que um sexo se destaque sobre outro na forçosa quota de loucuras que aos humanos nos toca. Um estaria tentado de assegurar que o que singulariza aos seres humanos entre os animais é a capacidade de dizer e cometer desatinos.

9.7.07

Fragmento do "Quadern gris" de Pla

" Escoltar forma part de l'estratègia dels pobres. No vull pas dir que s'hagi d'escoltar tothom. S'ha d'escoltar qui convé. Això sí: s'ha d'escoltar bé o almenys causar la impressió que hom escolta bé. S'ha de produir la impressió d'adhesió activa a la persona que parla. Es pot tenir el pensament onsevulla, però s'ha de causar la sensació de presència i d'adhesió a la persona que parla. Això darrer és bastant senzill: consisteix a mantenir una certa vivacitat en els ulls, mirar d'una manera tendra i amatent i fer, mentrestant, amb el cap, els moviments d'assentiment paral•lels a les coses que l'altre persona va formulant. També és molt útil dir, de tant en tant: “¿Vol fer el favor de repetir el que deia fa un moment? ¿Tindria l'amabilitat d'aclarir-me el concepte a què al•ludia fa un instant?” Els homes volen ésser escoltats. És el que els agrada més. Els agrada més que els diners, que les dones i que menjar i beure bé. Un home escoltat esdevé un fatxenda absolutament feliç. Ara bé: quan els homes se senten escoltats, es tornen febles. Aquests moments de feblesa són l'única escletxa a través de la qual pot caure una gota de generositat del granit humà. És d'aquests moments que un pobre pot aprofitar-se. Si no els sap crear ni treure'n un profit, malament... El sistema de la parasitologia establert naturalment entre els homes, i entre els homes i les dones, es basa en l'adulació -en el gust físic que dóna el fet de sentir-se adulat-, i la forma més activa i dissimulada (és a dir, més eterna) de l'adulació és saber escoltar d'una manera natural, activa i discreta. Contribueix molt a arribar a aquesta naturalitat no cometre l'atzagaiada d'aparentar el que hom sap realment. Els propis coneixements -si és que hom en té algun- s'han de saber dissimular en el seu punt- sense caure, però, en l'extrem d'accentuar massa la pròpia estupidesa. "

Agora em galego:

Escutar faz parte da estratégia dos necessitados. Não quero dizer que se deva escutar a qualquer homem. Deve escutar-se a quem convém. Isso si, há de escutar-se bem ou quando menos causar a impressão de que escutamos bem. Temos que produzir a impressão de uma adesão activa à pessoa que está a falar. Podemos ter nosso pensamento não importa onde, pêro cumpre causar a sensação de presença e de adesão à pessoa que fala. Isso em principio é assaz simples: Consiste em manter uma certa animação nos olhos, mirar de uma maneira mole e diligente e fazer, entrementes, com a cabeça, acenos de aquiescência paralelos às coisas que a outra pessoa vai expondo. É muito útil, também, dizer, de quando em vez: Faça o favor de repetir o que você dizia há um bocado? Teria a amabilidade de aclarar-me o conceito ao que aludia há pouco? Os homens querem ser escutados. É do que mais gostam. Gostam disso mais que do dinheiro, das mulheres e de jantar e beber bem. A um homem escutado vê-se-lhe um semblante absolutamente feliz. Porém, quando os homens se sentem escutados, tornam-se frouxos. Estes momentos de fraqueza são a única fenda através da qual pode cair uma pinga de generosidade do granito humano. É destes momentos que um pobre pode tirar proveito. Se não sabe criar ou obter um beneficio deles, dificilmente ... O sistema de parasitologia estabelecido naturalmente entre os homens, e entre os homens e as mulheres, assenta-se na adulação – no prazer físico que depara sentir-se adulado - , e a forma mais activa e dissimulada (é dizer, mais eterna) da adulação é saber escutar de uma maneira natural, activa e discreta. Contribui muito a chegar a esta naturalidade não cometer a insensatez de aparentar o que se sabe realmente. Os mesmos conhecimentos, se tem algum, há de saber dissimula-los no seu justo ponto, sem cair no extremo de acentuar demasiado a própria estupidez.

Josep Pla

Isto que diz Pla vi-lo eu posto em prática com muita competência um dia que meu tio Lisardo, aborrecido do longuíssimo relato de umas liortas familiares com que uma amiga o fatigava, desligou dissimuladamente o aparelho que lhe ajudava a vencer a hipoacusia que sofria. Eu o via menear a cabeça e os olhos compassadamente à litania de palavras queixosas proferida por aquela incontornável mulher que falava mais do que uma rádio. Assentia ou negava no momento exacto com admirável precisão. Eu perguntava-me se não estaria a lhe ler os lábios, mas isso não podia ser porque a maior parte do tempo a passava a fitar o partido de futebol na televisão ou para a gente que entrava e saía do Casino, e somente de vez em quando olhava para ela. É possível que sentisse no peito as inflexões angustiadas de aquela voz de mulher, que as ondas de som lhe chegassem ao corpo e lhe subissem pelos braços até bater na caixa torácica como o tremor duma percussão emudecida.

Com os seus superiores Lisardo era um artista. Fazia-lhes toda casta de cumprimentos, desde os mais simples até os mais sofisticados pela sua dissimulação e subtileza. Estes últimos gostava de administra-los com dosificador, de jeito que a medicina entrasse na veia devagar. Seu efeito se não devia advertir até depois de um lapso de tempo ajuizado, a fim de que o recipiendário já não lembrasse quem lhe tinha administrado a poção. Lisardo gabava-se da destreza que adquirira na arte de fazer felizes aos seus chefes. Mas não sejam mal pensados, era o homem mais desinteressado do mundo. Sempre tinha bons conselhos para todos e o trepar na empresa nunca lhe quitou o repouso. Procurava afagar a todos por igual, além de seu status social, sua ideologia ou suas teimas.

Por outro lado, não se importava muito com o que os demais pensassem ou dissessem dele, não temia as maledicências, ainda que alguma vez sofreu por culpa delas. Por isso, tinha um carácter confiado e risonho nas suas relações com os demais. Levava em brincadeira muitas coisas que outros tomavam a serio. Gostava de pronunciar mal as palavras diante de estranhos, trocando-lhe as vogais ou as consoantes, só para lhes ver o assombro no semblante. Assim, podia dizer em alta voz: – Chamam-me ao “talífano”, em seguida regresso. Quando lhe falavam de política ou religião, tentava não contrariar seu interlocutor, excepto naqueles casos em que seria visível demais sua insinceridade. Porém, a estupidez excessiva fartava-o em seguida e, a causa dessa impaciência, podia pôr ponto final a uma conversa de jeito pouco delicado.

Quando eu lhe indicar que Shakespeare e outros grandes autores tinham reprovado de jeito obsessivo a hipocrisia, ele retorquia-me que não havia para tanto, que o pretenso “pecado” não era tal. Antes fazia parte, na sua opinião, da natureza ambígua da língua num contexto de perene conflito, e isto era certo não só no mundo dos homens, senão também a respeito da comunicação animal. Pedia-me ainda que não esquecera que é próprio da inteligência humana saber produzir e interpretar a linguagem figurada. Lisardo então lembrava-me a frase aquela que escrevera Yourcenar na suas “Memórias de Hadriano”: “Exagerais muito a hipocrisia dos homens, a maior parte deles pensa muito pouco como para pensar duas vezes.”

Meu querido tio era ateu por temporadas, e, em consequência, nem sempre creia numa ordem superior que justificasse o mal deste mundo. Afeiçoado a arboricultura, tinha no jardim do seu prédio limoeiros, figueiras e eu nem sei dizer quantas espécies mais. Até pouco antes de sua morte não era infrequente surpreende-lo subido a uma dessas suas árvores. Esticado em engraçado balanço, como um Ícaro trás o sol de poente, abalava as galhas emprenhes da cima, lá onde os frutos pareciam lapas do incêndio vesperal. Era-che uma macieira bem boa a que plantara meu avô quando ele nasceu. Mas os anos não perdoam a nenhum ser vivo. Quem havia de imaginar que seria precisamente dessa árvore que o velho tio ia cair e rachar a cadeira? Não se recuperaria daquela queda e ao pouco tempo deixar-nos-ia para sempre.



Aí vai a letra deste lindo tema de Maria del Mar Bonet:

Jo no sé com has guardat la bellesa entre l'infern
ni com vas poder fugir de l'horror que t'ha esquinçat
Quan et llepo les ferides veig al fons el teu esguard
el que no puc esborrar: que hem nascut en mons apart.

Més enllà dels oceans, més enllà del crit del mar
on la pluja té l'arrel beneïda per Alà
on la llum cau dels estels, sobre un món empolsegat
s'han trobat els nostres cors, en un pont que hem aixecat.

En aquest temps que ens ha tocat
no serveix la veritat
fem un temps per el nostre amor
ple de vida, entre la mort.

Acompanyem els estels
el camí que hem inventat
el teu cor amb el meu cor
per damunt dels mons apart.

Amb la sang i la foscor que hem après a tuejar
no tenim altre moment, no l'hem pogut triar
la tristesa de la mort, dels nostres mons separats
però que doni el nostre amor, tot allò que pot donar,

Tot allò que pot donar…