1.12.07

Um tufo de cabelo

Hoje pela manhã erguemo-nos cedo, as ruas estavam molhadas. Dizem que vai chover durante três dias. Falta fazia. Vejo a S. penteando-se diante do espelho quando passo pela porta do seu quarto e me saúda em voz baixa. Ontem, quando a mãe lhe disse que fosse a arranjar o cabelo, que tinha a franja em pé, não se lhe ocorreu outra coisa que pegar numas tesouras e cortar o tufo de pêlos insubordinados. Lá ficou o cabelo da minha nena, no chão do banheiro. Depois no Bianco, o barman disse que era estranho que o rapaz se parecesse a mãe enquanto a filha parecia-se a mim. Preparou-nos um batido de chocolate que estava boníssimo, mas um bocado forte. Mais tarde teve acidez. Não ceei nada para não agravar o mal.

Apôs ir às compras, saí caminhar e dirigi os meus passos cara à faculdade de veterinária. Sabia que lá se podia ver uma mostra de fotografia que tinha por nome Olhadas na Lusofonia. As fotos eram de Sebastião Salgado, Meléndrez, Villarino, Rosminho,... Fotógrafos de Cabo Verde, Timor, Moçambique, Brasil, Galiza, Portugal,... Gosto muito do prédio da faculdade e como se ajusta ao terreno, com suas deleitosas encostas cobertas de erva e de plantas de jardim que se aconchegam a lagos de agua cristalina. Lousas escuras me guiam silandeiramente sob a sombra das carvalheiras até um anfiteatro no que bem se podiam representar as obras mestras do teatro clássico como se for o de Dionísio em Atenas.. Pode que algum dia lhe tire umas fotos.

14.11.07

Inspiração das ruas



"Este é um pequeno espaço reservado à expressão artística sob a forma de Stencil, criado por um grupo de terroristas, que brevemente irá semear o pânico na tua cidade, no teu bairro... Agimos sob a liberdade da nossa inspiração para que as paredes das ruas das nossas cidades se transformem em algo mais do que o marasmo do betão armado, para que cada indivíduo sinta perplexidade, experimente por segundos o impacto da surpresa ou que, acima de tudo, e a partir daquele momento, se complete com inspiração. É a celebração da Arte Urbana."

Tirado da sua web

1.11.07

Brando e Bertolucci



Quando apôs de muitos anos o Brando e o Bertolucci se reencontraram numa festa, este disse-lhe àquele: “Consegui tirar-te a máscara, não é?” A resposta chegou com um riso pequeno: "Tu em verdade crês que eu era o sujeito aquele?" Paul, o personagem da fita, é um jornalista americano farto de tudo –lutara nas guerrilhas, conhecia o mundo...–; ele vivera seu tempo de jeito comprido e intenso, mas portava um grande fardo de desassossego pelo suicídio de sua esposa.

Marlon interpretou o papel com uma grande liberdade. Bertolucci deixara-lhe independência para actuar, depois de lhe explicar a ideia geral do filme. Decorria o ano 73 e as cenas amorosas escandalizaram meio mundo. Como era de esperar, o filme foi censurado pelo seu contido excessivamente explícito. O actor, de 48 anos, e a jovem Maria Schneider passaram uns dias juntos para conhecer-se antes da rodagem naquele Paris ainda comovido pelo tremor das revoluções estudantis.

Bertolucci sempre quisera levar ao cinema uma sua fantasia: um homem maduro conhece uma mulher nova num apartamento vazio e fazem o amor sem apenas cambiar palavras. Quando esse relacionamento se prolonga no tempo, termina por tomar um carácter sadomasoquista.

Brando não era um actor qualquer: seu talento ultrapassava o da maioria dos artistas actuais. Seu sentido da justiça e seu compromisso humano e político evidenciou-se em películas e em atitudes, como a de recusar-se a receber o premio da academia pela sua interpretação de Vitto Corleone. O motivo era a difamação dos aborígenes americanos no cinema de Hollywood.

Depois daquele último tango em Paris, Brando havia de iniciar um caminho de autodestruição e aniquilamento da própria imagem. Afastar-se-ia do cinema, ao que só retornaria por quartos, quando os trágicos problemas dos filhos o obrigaram.

A pergunta ainda fica incontestada: Quem era, de todos os personagens que interpretou, o Marlon Brando?

27.10.07

As Catedrais e Barreiros









A semana passada, mais uma vez encaminhamos para a Pontenova. Desde ali, percorremos o vale do Eo até sua desembocadura no mar, a rentes das vilas de Castropol, Vegadeo e Ribadeo. Esse mesmo dia os presidentes de Galiza e Astúrias reuniam-se no meio da ria para celebrar a criação da Reserva da Biosfera do Eo-Navia. Depois de visitar o centro de Rivadeo, fomos a praia das Catedrais. Como já estivéramos nela não há muito, caminhamos até a praia de Barreiros, ali perto. Chegamos as dois e meia e dispusemos jantar antes de nada: arroz com marisco foi a escolha. Depois da caminhada até Barreiros, descemos a areia das Catedrais para vaguear entre os famosíssimos arcos, mas a maré estava mudando e havia muita gente para desfrutar descansadamente do lugar. Levávamos uma bola de plástico e isso permitiu-nos jogarmos um partidinho. Por volta das seis colhemos rumo a Mondonhedo, para ver um pouco das São Lucas. A rua dos postos de venda de produtos artesanais era um universo de pessoas vindas de toda parte. Essa noite actuava Luar na Lubre. O vale e a vila, que o escritor Cunqueiro, aqui nado, tão bem descreveu, pagam a pena da viagem de uma hora e pouco desde Lugo. A catedral tem umas pinturas góticas esplêndidas, que formam um conjunto valiosíssimo e são um exemplo único no seu estilo. As que podem ser olhadas nos muros laterais representam a matança dos santos inocentes ordenada por Herodes. Aqueles foram assassinados pelos soldados do rei, deitando seu sangue num baptismo horrível. Por Jesus é que eles morreram sem que suas mães nada puderam fazer para evitarem esse sucesso de inacreditável crueldade. As espadas dilaceram a gorja dos meninos e o sangue caldo e vermelho sai a cachões, regando o aceiro e tingindo a terra junto com o doce leite dos peitos ainda despidos e as báguas abrasadoras que escorregam dos olhos desmedidamente abertos e apavorados. Infeliz história renovada em aquelas terras até o dia de hoje. O poder espavorido trucida os desamparados. Fácil é conceber que esta bela representação gráfica tinha o propósito de reviver no coração dos fieis, durante centos de anos por vir, o drama daquele holocausto inaugural, pressagio do sacrifício do cordeiro. Regressamos por Vilalba com ganhas de visitar novamente a formosa vila de Mondonhedo enquanto for possível.

18.10.07

Viagem a Taramundi













Antes de chegar a Taramundi, passamos pola Pontenova. Aproveitamos para ver os fornos onde se fundia o ferro das minas próximas. Desde aqui enviava-se por caminho-de-ferro a Rivadeo, e dali a Europa.
Partindo de Teixo, perto de Taramundi, começamos a trepada ao alto de Ouroso. O percorrido é de 8 quilómetros. Em Teixo há um albergaria municipal em um edifício das velhas escolas. A caminhada transcorre entre brejos, pinheirais e pastarias. Na vizinhança de uma pequena laguna vivem cativos muitos cavalos semi-selvagens, de quantas cores e pelagens se queira; assusto-me ao ouvir o ruído que vem de entre os pinhais. Depois, com alivio, sinto-os bufar e rinchar. Ao chegar a estrada que vai desde o Couso até o porto da Garganta a paisagem abre-se em uma esplêndida panorâmica que abrange os curutos dos Ancares leoneses, a localidade da Fonsagrada, grande parte da Marinha lucense e a comarca dos Oscos, cujas montanhas são redondas como peitos de mulher. Os nossos amigos asturianos têm uma melhor politica turística. Não há mais que ver as estradas a um lado e outro da raia. As casas tradicionais também estão muito melhor cuidadas, sem aditamentos espectaculares de alumínio e outros materiais alheios ao espírito da região. Os roteiros estão bem sinalizados e na oficina de informação podem encontrar-se brochuras informativas sobre a história e as características da comarca. A volta escutamos Mariza, nova rainha moçambicana do fado e beleza deslumbrante, e também nossa admiradíssima Chabuca Granda, bela peruana que empeçou sua carreira cantando-lhe à Lima do seu pai, a da Alameda e a Ponte de Pau, a das mansões francesas do bairro do Barranco, e terminou-a resgatando os ritmos afro-peruanos do Rimac, menosprezados pola boa sociedade limenha.

15.10.07

O nabo e o cavalo

Uma vez um homem recolheu um nabo muito grande, e foi-lho levar ao amo do povo, e o senhor deu-lhe três moedas de ouro. Então um homem que tinha um bom cavalo, disse para si:
– Se àquele deu-lhe três moedas de ouro, a mim, que lhe levo um cavalo, dar-me-á muito mais.
Quando chegou o homem à porta do castelo, disse o senhor:
– ¡Ai, meu Deus, que cavalo!, ¿quanto queres por ele?
– Não lho vendo, senhor, eu dou-lho de boa vontade.
– Nada, eu tenho que dar algo mais, e, como não tenho quartos, dar-te-ei este nabo.
E deu-lhe o nabo do outro. E, quando o homem chegou ao povo, por pouco mais mata ao outro.

Neste conto popular recolhido na província de Lugo, o que primeiro chama a atenção é a presença do amo do povo. Na época feudal isto seria o mais comum. Mas desde aqueles dias já choveu, e por isso não é provável que o breve relato nascesse daquela. Pode ser que a historia nos reenvie a tempos mais recentes, quando os fidalgos ocuparam o posto da grande nobreza absentista que morava em Madrid. O tubérculo da planta crucífera aponta claramente a província de Lugo, onde este cultivo servia com muito proveito, e serve, ainda que não exclusivamente, para o mantimento do gado, pêro também é possível que este elemento seja substituído noutros âmbitos geográficos. O que convida a reflexão nesta narração é o metal dourado das moedas do senhor. Sabemos que desde tempos imemoriais o ouro é usado como médio de intercâmbio e poupança. Também tem usos mais subtis e menos vulgares, como o de excitar a imaginação dos homens, que gostam de fazê-lo formar parte principal dos seu sonhos. Como recusar-se a acreditar nesta última asserção quando comprovamos o facto de ele estar presente nas mais variadas lendas do folclore da Europa e da Galiza. Quem não conhece neste pais uma lenda fantástica de tesouros de mouros enterrados ou mergulhados? A mim lembra-me à bolha imobiliária que tem impelido a economia nos últimos anos. No nosso pais não tem acontecido ainda a parte da troca do nabo pelo ruço.

9.10.07

Festa



O polvo é um dos pratos típicos destas festas de Outono. Mesmo assim eu continuo a preferir a carne ao caldeiro, especialmente como a amanhavam no Carvalhinho e noutras vilas de Ourense. Não quero dizer que naquela província se jante melhor do que aqui, não sou tão chauvinista: devo reconhecer que uma das mais agradáveis surpresas que levei em Lugo foi a da hospitalar costume das formidáveis tapas que se servem em todos os bares da cidade. Um outro hábito que já não me pareceu tão encantador foi o de os motoristas não respeitarem as faixas zebradas. Ainda que um transeunte caminhe de mãos dadas com crianças, o chofer com certeza recusara-se a parar. Se alguém ousa cruzar, o melhor que lhe pode acontecer é que o automóvel o evite, sem diminuir a velocidade: é preciso compreender que estão muito apressados.
Hoje vi aos lenhadores bascos trabalhar arreio na praça do seminário, dentro do programa de festejos.

7.10.07

As muralhas

As festas de São Froilão foram inauguradas ontem com o discurso pronunciado na varanda da Casa do Conselho por uma escritora nada na vila. Esta lembrou sua infância e também anedotas de outros tempos e contou uma piada muito engraçada sobre algo que aconteceu nos anos vinte: Um carro com um bocoi de vinho provocou um divertido incidente. Parece ser que a barrica rachou contra o chão da Praça Maior ao escorregar o animal de tiro. Logo, ao contemplar a bebida derramada, todos os transeuntes exclamaram que era um milagre do santo. Este foi quem de convencer a animais tais que os lobos para que colaborassem com seu trabalho evangélico, facto que acredita sem dúvidas o carácter lugués do santo home.

As festas oferecem uma grande multiplicidade de actividades para as crianças, dentro do que se chama Froilãocinho. Hoje tive uma jornada completa com os meus pequenos. Primeiro, monicreques em Campo Castelo, depois fabricação de vidro ao vivo; apôs o jantar, palhaços, e, para terminar, fogos de artificio.

Na rua bispo Aguirre não há quem consiga caminhar. O gentio das vilas e aldeias dos arredores que comparece às festas é numeroso como as areias das praias. De manhá chegou o embaixador de China para proceder ao irmanação da muralha daquele grande pais e a romana da vila de Lugo. Lembrei um velho conto de Kafka sobre a construção da muralha china: os imperadores mandaram construir a mais grande obra defensiva da humanidade ao longo de muitos milhares de quilómetros. Para não se eternizarem, organizaram equipas de pedreiros que trabalhavam em distintos sectores, as quais partiam desde um ponto determinado ao mesmo tempo que os vizinhos faziam o seu perto dali, até unirem os seus respectivos nacos. Quando rematavam a parte que lhe correspondia, apôs de junta-la com outra terminada nessa altura, a autoridade mudava-os a uma região bem distante, para que não se aborrecessem da sua missão e também para que pudessem comprovar a grandeza do esquema do que faziam parte. Gostaria de transcrever este relato. Pode que o faça logo.

Lugo regala ao visitante ainda essas lojas antiquas que parecem extraídas duma serie televisiva ambientada nos tempos escuros da ditadura. Têm vitrinas pequenas e abarrotadas de vestimentas ou qualquer outro artigo que é preciso esforçar a visão para distinguir na escuridade do interior mal iluminado, balcões de madeira gasta com um chocante ordenador que faz pestanejar de incredulidade, como se estivéssemos a olhar o encontro fortuito do guarda-chuvas e a maquina de coser sobre a mesa de operações. A cidade esta cheia de edifícios em estado ruinoso, que aos poucos se estão a reconstruir.

Eis uma foto dos Peludes:

3.10.07

Patinar

O patinagem não e um desporto que eu me propusera nunca aprender quando tinha a idade de fazê-lo. A preguiça e também a falta de oportunidade não contribuiu para que as cousas foram de uma outra maneira... Em troques, fiz judo, joguei ao futebol, como todos os meninos, tomei algumas lições de ténis e também ensaiei aprender a esquiar, ainda que logo o abandonasse sem consegui-lo verdadeiramente. Aos trinta e poucos anos ia correr e não corria pouco, por vezes mais de uma hora. Pratiquei algo de canoagem. A última aventura foi a de tentar aprender windsurf. A verdade, nunca terminei de aprender bem nenhum desporto.



Hoje levei as minhas crianças à sua primeira lição de patinagem in-line. Gostei de lhes ver a cara de felicidade quando conseguiram pôr-se em pé e avançar sobre as rodinhas, lentamente ao principio, com mais confiança depois. O próximo dia têm que trazer o capacete para evitar magoar-se na cabeça. O monitor diz que a tem oca e que se a golpeia ao cair, escachará. Perdi a oportunidade de ver aos animais das granjas que o dia de hoje passeiam polas ruas de Lugo pelo São Froilão. Foi uma pena: contaram-me que as bestas são admiráveis. O ano que vem não penso perdê-lo. Espero que cedo poda aprender a patinar, pêro esta vez a sério, e com bons professores.

27.9.07

É Marta a melhor jogador/a do mundo?



Marta desabafa e diz que norte-americanas foram 'infelizes'

Brasileira diz que show desta quinta-feira foi a resposta para as provocações antes do duelo

Julie Jacobson/AP
Marta marcou dois gols na vitória por 4 a 0

Para Marta, as rivais erraram ao demonstrar arrogância antes da partida. "Elas disseram que eram favoritas, como sempre fazem. Acho que dessa vez foram muito infelizes."

Em toda a história, essa foi a terceira vitória brasileira sobre os Estados Unidos em 24 confrontos. "Ouvimos comentários de que elas queriam deixar a gente para baixo, mas atuamos de cabeça erguida."

A goleada foi a pior sofrida pelos Estados Unidos na história dos Mundiais. "Conversamos bastante antes do jogo e conseguimos enfrentar a pressão. O resultado foi este", disse Marta.

Na final do Mundial, o Brasil pega a Alemanha. "É muito emocionante, pois é a primeira vez que o Brasil joga uma decisão. Vamos dar o máximo para conquistar esse título."

Estou abraiado. Não sei se é possível a comparação entre desportistas de um e outro sexo, mais a beleza deste gol tem poucos rivais.

* * *

Opiniões sobre o gol da Marta:

"Foi o gol de uma jogadora que é a melhor do mundo. Nunca vi ninguém fazer aquele drible. O comportamento da americana também me chamou a atenção. Ela sabia que estava sendo driblada pela melhor do mundo."

Lédio Carmona

"Foi um gol espetacular, no nível dos grandes craques de todos os tempos: Pelé, Garrincha, Zico, Romário, etc"

Renato Maurício Prado

13.9.07

Castelao e Portugal

Explica Castelao no terceiro livro do Sempre em Galiza seu pensamento sobre Portugal a respeito da nossa Terra. Dedica-lhe a este tema vários capítulos elucidativos. Dos argumentos empregados poderíamos assegurar que muitos são ainda adequados a realidade de hoje, que no essencial segue a ser análoga a que lhe tocou viver a este assisado escritor e artista, sem dúvida o mais notável dirigente do nacionalismo galego da primeira metade do século passado; outros um pouco menos, coisa não de estranhar se temos em conta que têm decorrido mais de cinquenta anos desde aquela.

Portugal e Galiza vivem de costas desde a sua separação em dois condados por vontade de um rei da Idade Média. Até o dia de hoje, quando parece renascer a possibilidade de uma mais grande solidariedade e achegamento entre as duas irmãs afastadas pela história, as duas pátrias têm-se ignorado, quem sabe se para não vexar a Castela. Galiza, refém de sua vizinha mais poderosa, tem medo de si mesma e acata e imita tudo quanto vem da meseta; Portugal entregou-se a Inglaterra para manter-se independente. A necessidade de união entre Portugal e Galiza é um lugar comum em Castelao e porventura em todos os nacionalistas galegos da geração Nós. Tomei a liberdade de sublinhar as partes onde o de Rianjo insiste na mesma ideia, que, se não contei mal, são oito somente neste capítulo.

A incompreensão do feito diferencial das nações que integram o estado espanhol é uma constante em Madrid e nos âmbitos políticos e geográficos onde prevalece uma ideologia grandemente centralista. Cegos nas trevas do desconhecimento, quando não vítimas da mais desavergonhada desinformação, muitos cidadãos adoptam posturas extremas que a nada bom podem levar, e que impedem a avaliação ajeitada do problema nacional, assim como a búsqueda honrada de uma possível solução.

Para Castelao as nações da Hespanha precisam ver reconhecido seu direito a ser, para poder formar uma união ibérica sem receios e forte que termine com a debilidade e o atraso dos povos da península. Um acordo que atire a Portugal do seu arredismo. Pêro antes e depois do problema geral ibérico, repara na inegociável necessidade de fusão espiritual e vital entre Portugal e Galiza.

Eis o texto:

Cómpre buscar na variedade incontrovertible da Península Ibérica unha harmonía de caracteres diferentes, expresión do ideal común, indivisible e proprio de tódolos pobos hispanos. Busquemos, pois, o sentido moral e superior da unidade hispana, capaz de ser políticamente tan poderoso como foi a ideia católica no período da Reconquista. Pero a paz e a saúde de Hespaña sóio virá coa integración de cada individuo á súa propria terra e co respeito á variedade dos caracteres nacionaes. Cómpre decir que os galegos non provocaremos loitas destrutoras, das que estamos ben aborrecidos; mais, si, provocaremos a realización do hispanismo patrimonial dos dous Estados da Península e das varias nacións que integran Hespaña. Somos ardidos defensores da unión ou alianza ibérica, porque no fondo insobornable da nosa alma bule o anceio de achegarnos a Portugal e de confundirnos con el; pero primeiro arelamos dar remate feliz á nosa obra Hespañola (a obra do pacto de “Galeuzca”). Nalgún intre da decadencia de Hespaña eisisteu o perigo de levar até o Ebro a fronteira francesa, entregándolle Galiza a Portugal e dividindo a Península en dous Estados de igoal peso. Pois ben; nós, os galegos “nacionalistas”, imos facer unha declaración ben meditada: “Loitaremos sempre en contra de calquera pensamento que amingoe as posibilidades de unha Hespaña grande”. Nós queremos abolir a hexemonía de Castela porque o noso nacionalismo é predominantemente cultural, e xa dixemos que a única solución que nos prace é a do federalismo ibérico, porque así o noso espírito, agora oprimido, confundiríase co portugués na misión conxunta de crear para o mundo atlántico unha nova civilización.

Vexamos, pois, até que punto nos sentimos unidos a Portugal, pois non todo el nos atrai amorosamente. Alguen dirá que a fronteira miñota é un abismo insalvable. E nós decimos que os homes non crean imposibles nin contraveñen definitivamente os desiños da natureza. Poñamos un exemplo: Os romanos torceron o curso do Sil e fixérono pasar por un túnel con obxeto de sacaren o ouro que había no leito do río. A nosa xente confiaba tanto na enxeniería dos romanos que se aventurou a facer casas no canle do antigo río, coma se o río podera esquecerse do seu natural destino. O Sil, entretanto, suspiraba polo vello canle, e un bon día, ao cabo de moitos séculos, afundeuse o túnel do Monte Furado eas aguas do río apoderáronse do que lhes pertencía, e hoxe volvem correr por onde corrían antes. Esta lección –avisada no refrán que di: “ao cabo dos anos mil as augas van por do soían ir”– ensínanos que o artificioso desvío de Portugal non é tan seguro como creen os casteláns e os mesmos portugueses. Calquera día afúndese a inxeñería política e os portugueses e galegos volvemos a falar e a cantar no mesmo idioma; pero tamén se poden restaurar fronteiras que foron demoídas…

A nosa Terra, na súa estensión de provincia romana e de reino suevo, conservou a súa integridade até o final do século XI en que AlfonsoVI tivo a ben divídila en dous Condados irmáns. Así nasceu Portugal: num anaco de terra galega, antre o Miño e o Douro, separado de Castela polo inespuñable macizo de Traz-os-Montes. O Condado portucalense chegou a ser reino separado pola decisión coraxuda dun Príncipe sen semellante… O solio de Alfonso Enriques – fundador do reino portugués– non cabía en tan pequeño recinto e buscou a súa espansión cara ao Sul, tomando “terra de mouros” e desprazándose dos patrios lares; e decir de Galiza. Algúns portugueses din que Portugal marchouse a guerra e que Galiza ficou tecendo saúdades á beira do Miño, a sospirar, namorada do noivo ausente. ¡Bonita figura, abofé! Pero quen sospira é Guimaraes, vendo a capital portuguesa en “terra de mouros”…

A reconquista que iniciaron os portugueses foi privativa deles, independentemente da que sostiñan os casteláns. Ambas forzas podían toparse e chocar antre si nas terras gañadas ao nemigo, alén da Galiza, onde desaparecen as montañas divisorias; pero Castela desviábase de Portugal, en direitura do Mediterráneo, de Italia ou de Flandes, e na soedade desértica das Estremaduras foi posible estabelecer unha fronteira. A incomunicación dos dous reinos dispois da conquista de Granada, consolidou a independencia de Portugal e forxou o dualismo estatal que hoxe se acata como inevitable; pero a Portugal faltoulle Galiza e nunca chegou a ser unha nación tan forte como Castela. E dende Lisboa non se ve nin se sinte a necesidade de Galiza, porque tampouco está alí o berce de Portugal, do Portugal inasimilable.

A “sede insensata de infinido” envorcou a enerxía enteira dos portugueses nas anchas augas do Atlántico, e navegaron “por mares nunca de antes navegados”. As fazañas mariñeiras de Portugal corresponden á grandeza lírica que caracteriza o etnos galaico. Portugal, non movido de premio vil, realizou a ilusión cósmica de Galiza, creada no cabo Fisterre, onde a alma viaxeira do mundo antigo se asomaba ao Misteiro. As fazañas foron portuguesas; a ilusión que as guiou era galega. E o desprazamento da metrópoli, levada de Guimaraes á cabeza de Extremadura, siñifica unha suplantación da lírica pola épica e un alonxamento das fontes orixinaes, que, ao final, habían de trocar en inútil traxedia o esforzo dos navegantes. ¡Portugal é pequeno! Díxose que os portugueses foron navegantes e non conquistadores como podía decirse que a influencia céltica neles era mais forte que a cristián; pero Portugal non podía soster un imperio faltándolle a forza, o traballo, a pacencia, a serenidade, a masa humana de Galiza. A potencia era galega; a impotencia provén da desintegración galaico-portuguesa. Maxinemos o que sería unha integración das dúas patrias nunha soia nacionalidade i entón o Imperio portugués sería hoje algo máis que unha expresión retórica, sublimada por Camoes.
Cando o autor de Os Luisiadas oferecía ao seu rei o mundo dilatado dos navegantes

…cujo alto Imperio
O Sol logo nascendo vê primeiro,
Vê-o tambem no meio do Hemispherio,
E quando dece o deixa derradeiro.

E cando se dixo que o sol non se poñía nos domiños da Hespaña”, xurdeu na nación saída de Galiza unha certa semellanza con Castela, a pesares da antipatía histórica que se avulta en Aljubarrota, Toro, Montijo… O “perigo castelán” para os portugueses e o perigo portugués para os casteláns enxendrou unha política de alianzas dinásticas, sempre compatible coas estocadas e ladrases que mutuamente se propinaban. As dinastías portuguesas, enlazándose por meio das súas mulleres coas de Castela, fixeron posible o reinado dos Felipes en Portugal (Felipe II sentouse no trono de Afonso Enriques como sucesor do Maestre de Avis, aínda que detrás del axexaxen as armas de Castela). Así, o dualismo Político da Península – causa e orixe da hegemonía castelán en Hespaña– foi decote unha anécdota matrimonial, inzada de adulterios, na que Castela era o varón e Portugal a femia… Esta é a política de cooperación hispana que gaban os cronistas, servida con patadas por debaixo da mesa… ¿E que se conta do amores galaico-portugueses? Os cronistas condenan a Doña Tereixa, namorada do noso Conde Fernán Peres de Traba, e a Doña Leonor, namorada do outro noso Conde Fernández de Andeiro; pero a nós antóxasenos que semellantes amores son o símbolo da política integralista que debeu seguir Portugal. E o fundador do “integralismo portugués”, António Sardinha, luxou a lenda de Doña Inés de Castro, a muller galega, “que dispois de ser morta foi Raíña”; mais é cordo afirmar que o reinado póstumo de Doña Inés é o símbolo do noso reinado moral no alén-Miño – un reinado tan sublime como foi o do poético Don Sebastián, porque se funda no xenio que nos identifica e que algún día nos axuntará de novo–. Os amores galaico-portugueses sempre foron tráxicos, verdadeiros, e non se borra o sangue que os afogou. Ese sangue trocouse en fronteira de moito proveito para Castela e de moitos males para Portugal e Galiza.
Díxose que Deus non quere ver xuntos aos portugueses e casteláns e que San Francisco de Asís, estando en Portugal, profetizou que endexamais se xuntarían as dúas nacións; mais é o certo que os portugueses padeceron cincoenta e sete anos de cautiverio filipesco e que probaron nese tempo –dígase o que se diga– as avantaxes dunha “unión pactada”. Nefeito; Portugal conservouse independente de Castela no goberno, ademinstración, economía, dereito e costumes; tiña cortes propias para determinar a cuantía dos impostos e contribucións; acuñaba moeda súa; conservaba nas súas mans as armas de mar e terra; o seu emblema eran as quinas e non o león e o castelo; o portugués era o idioma oficial; en fin, estaban gobernados como portugueses e non como casteláns, “coas súas mesmas leis, estilos e lingoaxe”. A autonomía era tal que os naturaes dun reino reputábanse como estranxeiros no outro, e as diñidades eclesiásticas, gobernos civíes, mandos do exército e da mariña e funcionarios de todas clases, eran alí portugueses. Tense declarado repetidamente que aquel período de alianza hispana coincideu coa época de prosperidade e de máisima expansión do xenio portugués. Así, pois, non foi Portugal tan escravo de Castela baixo o cetro dos Felipes; pero coñecendo a soberba e intransixencia dos casteláns, faltáballe aos portugueses a seguridade en si mesmos, no peso e na forza da súa nación. Atrévemonos a decir que os portugueses, arrimados ao séquito femenino dos reis haespañoes, usaban e abusaban da língoa de Castela obedecendo a un complexo de inferioridade que se repiteu máis tarde co afrancesamento das clases superiores. Non foi recíproco o influxo linguístico, pois en Castela non se usaban o portugués nin para linsoxear ás princesiñas portuguesas, que máis estimaban a língoa estranxeira que a propia. ¿Por que unha alianza luso-castelán pon en perigo a integridade moral dos portugueses anque non eisista unha intención asimilista por parte de Castela? Simplesmente, porque Portugal sen Galiza resulta pequeno, reducido i endeble á beira de Castela, e o premio dunha alianza non pode calmarlle o medo de ser absorvido. Cómpre lembrar que os lisboetas (especie de andaluces que falan galego cos dentes pechados) fartáronse de aldraxarnos durante o seu cautiverio, nada máis que por facerse gratos aos casteláns, iñorando que se aldaraxaban a si mesmos (a orixe deses aldraxes está na pauliña dos Reis Católicos, pola defensa que fixemos da Beltranexa). Diremos máis: os lisboetas bulrábanse igoalmente dos portugueses do Norte, porque eran galegos. Nos séculos XVI e XVII os portugueses empregaban o castelán co evidente favor con que os casteláns do século XII e XIII empregaron o galego-portugués, e se no período dos Austrias non eisitira o divorcio moral e cultural antre portugueses e galegos, é cordo pensar que as influencias serían recíprocas e que a unión ibérica sería garantía de benestar e grandeza mutuas. Agora ben; a nosa actual separación será cicais unha continxencia política inevitable no prazo mortal dos homes que agora vivimos; pero a compenetración galaico-portuguesa é unha fatalidade inescusable, que debe fomentarse, a non ser que os portugueses se resiñen a vivir en constante simulación de soberanía, mediatizados por potencias estrañas á Península.

Probada para Portugal as avantaxes dunha alianza ou unión hispana, sería ben doado esvaer os temores da súa absorción por Castela o día en que Hespaña abrazase o réxime federal, cando Galiza fose autónoma e se abrise, de par en par, a fronteira miñota aos efeitos da língoa, da cultura, da arte, do espírito... En fin; cando creásemos un período equivalente ao dos Cancioeiros.

Alfonso Rodríguez Castelao

12.8.07

Nous n'avons pas tout à fait perdu notre journée



La force

à Marcel Duchamp

Nous avons fait le bien comme ils ont fait le mal
Nous avons empêché d'écraser un aveugle
Un jeune automobiliste inexpérimenté
Premier point
Puis tendant une main avant tout secourable
Nous avons traversé le boulevard Péreire
Avec une maman de nourrissons chargée
Deuxième point
Nous avons salué tous les enterrements
Nous avons écrasé de mépris et d'insultes
Tous les godelureaux et les autres vauriens
Troisième point
Nous avons prodigué dans notre ardeur naïve
Des encouragements à tous les bons vieillards
Aux travailleurs aux enfants de l'école aux veuves
Quatrième point
Aux orphelins aux employés du métropolitain
Aux cireurs de bottines aux professionnels
De la parole aux petits télégraphistes
En un mot
Comme le brave empereur Trajan
On peut bien dire par ce joli soir lumineux
Que nous n'avons pas tout à fait perdu notre journée.

L. Aragon, 1924

10.8.07

The power of shame

Que é ter vergonha na cara?
Leonardo Boff
Alai Amlatina

Benjamin Franklin (1706-1790) foi editor, refinado intelectual, escritor, pensador, naturalista, inventor, educador e político. Propunha como projeto de vida um pragmatismo eclarecido, assentado sobre o trabalho, a ordem e a vida simples e parcimoniosa. Foi um dos pais fundadores da pátria norte-americana e participante decisivo na elaboração Constituição de 1776. Neste mesmo ano, foi enviado à França como embaixador. Frequentava os salões e era celebrado como sábio a ponto de o próprio Voltaire, velhinho de 84 anos, ir ao seu encontro na Academia Real. Certa tarde, encontrava-se no Café Procope em Saint-Germain-des-Près, quando irrompeu salão adentro um jovem advogado e revolucionário Georges Danton dizendo em voz alta para todos ouvirem:"O mundo não é senão injustiça e miséria. Onde estão as sancões?" E dirigindo-se a Franklin perguntou provocativamente:"Senhor Franklin, por detrás da Declaração de Independência norte-americana, não há justiça, nem uma força militar que imponha respeito". Franklin serenamente contestou: "Engano senhor Danton. Atrás da Declaração há um inestimável e perene poder: o poder da vergonha na cara (the power of shame)".

É a vergonha na cara que reprime os impulsos para a violação das leis e que freia a vontade de corrupção. Já para Aristóteles a vergonha e o rubor são indícios inequívocos da presença do sentimento ético. Quando faltam, tudo é possível. Foi a vergonha pública que obrigou Nixon renunciar à presidência. De tempos em tempos, vemos ministros e grandes executivos tendo que pedir imediata demissão por atos desavergonhados. No Japão chegam a suicidar-se por não aguentarem a vergonha pública. Ter vergonha na cara representa um limite intransponível. Violado, a sociedade despreza seu violador, pois não se pode conviver sem brio.

Que é ter vergonha na cara? O dicionário Aurelio assim define:"ter sentimento da própria dignidade; ter brio." É o que mais nos falta na política, nos portadores de poder público, em deputados, senadores, executivos e em outros tantos ladrões e corruptos de colarinho branco. Com a maior cara de pau e sem vergonhice negam crimes manifestos, mentem sem escrúpulos nos interrogatórios e mas entrevistas aos meios de comunicação. São pessoas que à força de fazer o ilícito e de se sentir impumes perderam qualquer senso da própria dignidade. Roubar do erário público, assaltar verbas destinadas até para a merenda escolar ou falsificar remédios não produz vergonha na cara. Crime é a bobeira de quem deixa sinais ou permite que seja pego com a boca na botija. Nem se importam, pois sabem que serão impunes, basta-lhes pagar bons advogados e fazer recursos sobre recursos até expirar o prazo. Parte da justiça foi montada para facilitar estes recursos e favorecer os sem vergonha com poder.

No transfundo de tudo está uma cultura que sempre negou dignidade aos índios, aos negros e aos pobres. Roubo-lhes seu valor ético porque a maioria guarda vergonha na cara e tem um mínimo de brio. Como me dizia um "catador de lixo" com o qual trabalhei cerca de 20 anos: "o que mais me dói é que tenho que perder a vergonha na cara e me sujeitar a viver do lixo. Mas não sou "catador", sou trabalhador que com o meu trabalho digno consigo alimentar minha família". Se nossos políticos desavergonhados tivessem a vergonha desse trabalhador, digna e dignificante seria a política de nosso pais.

16.7.07

O caminho das estrelas



Saí pela noite tomar uma cerveja em Santa Cristina. A essas horas é mais fácil aparcar. Passei por diante de um karaoke, uma discoteca e uma pastelaria. Quando cheguei onde uma das cafetarias mais velhas da vila decidi sentar-me. Lá um grupo de dez ou doze moços de entre vinte e trinta anos falavam animadamente em catalão. Tudo na sua conduta, na sua indumentaria, no seu jeito de expressar-se revelava naturalidade juvenil, mas também civilidade e um bocado de sofisticação urbana. Aguardavam a que ficasse livre uma mesa num restaurante próximo. A espera demorou ainda uns vinte minutos. Em todo esse tempo não pronunciaram nenhuma palavra em castelhano. Que maravilha!

Na cidade da Corunha ouvir a um grupo de jovens de parecidas índoles empregar o idioma do país é uma utopia. Seria mais fácil ouvi-los falar em alienígena. Ou ouvir falar galego em Roswell, na auto-estrada das estrelas. Nem quero saber que é o que se passa em outras cidades, como Vigo, onde o abandono da língua é ainda mais marcado entre os rapazes, segundo contam as estadísticas. Muitos galegos educados, cultos, inteligentes e refinados seguem a sentir vergonha de falar a nossa língua em certos contextos. Falam-na na intimidade, com os avós. Não temos conseguido descascar o idioma da sua pele mais amarga. Há que lhe tirar o cheiro a monte. Mas isso não é possível sem uma condição politica necessária: a toma de consciência colectiva e maioritária da própria identidade nacional.

Criei-me numa vila onde ninguém deixava de falar galego em nenhuma circunstancia. Não estou tão certo de que hoje ainda siga a ser assim. Exerci a docência em centros de aldeias onde todos os rapazes falavam galego com orgulho, sem excepções, com uma prosódia incrível do boa que era. E também tenho ensinado em vilas onde nenhum rapaz o falava. Nenhum! Minto, falava-o um, que era, minha jóia, objecto de escárnio. Quem não tem a sensação de estar fora de hora em certos contextos se falar galego? A quem não lhe tem sucedido que o miram raro se empregar a língua, como se não te entendessem, como se vestisses de mergulhador ou levasses um papagaio no ombro?

A norma culta do nosso idioma é a usada em Portugal: ortografia, ortofonia, morfologia e sintaxe, uso literário assentado, etc. Eis a estrela polar que nos pode ajudar a encontrar o caminho de saída a este labirinto, a mesma que guiou aos navegantes por todos os mares para levar esta antiga língua aldeã a todo canto do mundo.

14.7.07

Quase o mesmo

Uma universidade de Arizona acaba de publicar os resultados de uma investigação na que se certifica que homens e mulheres falam a mesma quantidade de palavras no dia, derrubando assim o mito de que elas batem papo muito mais do que eles: Varões e fêmeas proferem umas 16 mil vocábulos ao dia. O que não se esclarece em essa pesquisa é qual seja o sexo mais assisado em seu falar. Imagino que o “seny”, como dizem os catalães, está repartido a partes iguais entre os dois géneros. Acho improvável que um sexo se destaque sobre outro na forçosa quota de loucuras que aos humanos nos toca. Um estaria tentado de assegurar que o que singulariza aos seres humanos entre os animais é a capacidade de dizer e cometer desatinos.

9.7.07

Fragmento do "Quadern gris" de Pla

" Escoltar forma part de l'estratègia dels pobres. No vull pas dir que s'hagi d'escoltar tothom. S'ha d'escoltar qui convé. Això sí: s'ha d'escoltar bé o almenys causar la impressió que hom escolta bé. S'ha de produir la impressió d'adhesió activa a la persona que parla. Es pot tenir el pensament onsevulla, però s'ha de causar la sensació de presència i d'adhesió a la persona que parla. Això darrer és bastant senzill: consisteix a mantenir una certa vivacitat en els ulls, mirar d'una manera tendra i amatent i fer, mentrestant, amb el cap, els moviments d'assentiment paral•lels a les coses que l'altre persona va formulant. També és molt útil dir, de tant en tant: “¿Vol fer el favor de repetir el que deia fa un moment? ¿Tindria l'amabilitat d'aclarir-me el concepte a què al•ludia fa un instant?” Els homes volen ésser escoltats. És el que els agrada més. Els agrada més que els diners, que les dones i que menjar i beure bé. Un home escoltat esdevé un fatxenda absolutament feliç. Ara bé: quan els homes se senten escoltats, es tornen febles. Aquests moments de feblesa són l'única escletxa a través de la qual pot caure una gota de generositat del granit humà. És d'aquests moments que un pobre pot aprofitar-se. Si no els sap crear ni treure'n un profit, malament... El sistema de la parasitologia establert naturalment entre els homes, i entre els homes i les dones, es basa en l'adulació -en el gust físic que dóna el fet de sentir-se adulat-, i la forma més activa i dissimulada (és a dir, més eterna) de l'adulació és saber escoltar d'una manera natural, activa i discreta. Contribueix molt a arribar a aquesta naturalitat no cometre l'atzagaiada d'aparentar el que hom sap realment. Els propis coneixements -si és que hom en té algun- s'han de saber dissimular en el seu punt- sense caure, però, en l'extrem d'accentuar massa la pròpia estupidesa. "

Agora em galego:

Escutar faz parte da estratégia dos necessitados. Não quero dizer que se deva escutar a qualquer homem. Deve escutar-se a quem convém. Isso si, há de escutar-se bem ou quando menos causar a impressão de que escutamos bem. Temos que produzir a impressão de uma adesão activa à pessoa que está a falar. Podemos ter nosso pensamento não importa onde, pêro cumpre causar a sensação de presença e de adesão à pessoa que fala. Isso em principio é assaz simples: Consiste em manter uma certa animação nos olhos, mirar de uma maneira mole e diligente e fazer, entrementes, com a cabeça, acenos de aquiescência paralelos às coisas que a outra pessoa vai expondo. É muito útil, também, dizer, de quando em vez: Faça o favor de repetir o que você dizia há um bocado? Teria a amabilidade de aclarar-me o conceito ao que aludia há pouco? Os homens querem ser escutados. É do que mais gostam. Gostam disso mais que do dinheiro, das mulheres e de jantar e beber bem. A um homem escutado vê-se-lhe um semblante absolutamente feliz. Porém, quando os homens se sentem escutados, tornam-se frouxos. Estes momentos de fraqueza são a única fenda através da qual pode cair uma pinga de generosidade do granito humano. É destes momentos que um pobre pode tirar proveito. Se não sabe criar ou obter um beneficio deles, dificilmente ... O sistema de parasitologia estabelecido naturalmente entre os homens, e entre os homens e as mulheres, assenta-se na adulação – no prazer físico que depara sentir-se adulado - , e a forma mais activa e dissimulada (é dizer, mais eterna) da adulação é saber escutar de uma maneira natural, activa e discreta. Contribui muito a chegar a esta naturalidade não cometer a insensatez de aparentar o que se sabe realmente. Os mesmos conhecimentos, se tem algum, há de saber dissimula-los no seu justo ponto, sem cair no extremo de acentuar demasiado a própria estupidez.

Josep Pla

Isto que diz Pla vi-lo eu posto em prática com muita competência um dia que meu tio Lisardo, aborrecido do longuíssimo relato de umas liortas familiares com que uma amiga o fatigava, desligou dissimuladamente o aparelho que lhe ajudava a vencer a hipoacusia que sofria. Eu o via menear a cabeça e os olhos compassadamente à litania de palavras queixosas proferida por aquela incontornável mulher que falava mais do que uma rádio. Assentia ou negava no momento exacto com admirável precisão. Eu perguntava-me se não estaria a lhe ler os lábios, mas isso não podia ser porque a maior parte do tempo a passava a fitar o partido de futebol na televisão ou para a gente que entrava e saía do Casino, e somente de vez em quando olhava para ela. É possível que sentisse no peito as inflexões angustiadas de aquela voz de mulher, que as ondas de som lhe chegassem ao corpo e lhe subissem pelos braços até bater na caixa torácica como o tremor duma percussão emudecida.

Com os seus superiores Lisardo era um artista. Fazia-lhes toda casta de cumprimentos, desde os mais simples até os mais sofisticados pela sua dissimulação e subtileza. Estes últimos gostava de administra-los com dosificador, de jeito que a medicina entrasse na veia devagar. Seu efeito se não devia advertir até depois de um lapso de tempo ajuizado, a fim de que o recipiendário já não lembrasse quem lhe tinha administrado a poção. Lisardo gabava-se da destreza que adquirira na arte de fazer felizes aos seus chefes. Mas não sejam mal pensados, era o homem mais desinteressado do mundo. Sempre tinha bons conselhos para todos e o trepar na empresa nunca lhe quitou o repouso. Procurava afagar a todos por igual, além de seu status social, sua ideologia ou suas teimas.

Por outro lado, não se importava muito com o que os demais pensassem ou dissessem dele, não temia as maledicências, ainda que alguma vez sofreu por culpa delas. Por isso, tinha um carácter confiado e risonho nas suas relações com os demais. Levava em brincadeira muitas coisas que outros tomavam a serio. Gostava de pronunciar mal as palavras diante de estranhos, trocando-lhe as vogais ou as consoantes, só para lhes ver o assombro no semblante. Assim, podia dizer em alta voz: – Chamam-me ao “talífano”, em seguida regresso. Quando lhe falavam de política ou religião, tentava não contrariar seu interlocutor, excepto naqueles casos em que seria visível demais sua insinceridade. Porém, a estupidez excessiva fartava-o em seguida e, a causa dessa impaciência, podia pôr ponto final a uma conversa de jeito pouco delicado.

Quando eu lhe indicar que Shakespeare e outros grandes autores tinham reprovado de jeito obsessivo a hipocrisia, ele retorquia-me que não havia para tanto, que o pretenso “pecado” não era tal. Antes fazia parte, na sua opinião, da natureza ambígua da língua num contexto de perene conflito, e isto era certo não só no mundo dos homens, senão também a respeito da comunicação animal. Pedia-me ainda que não esquecera que é próprio da inteligência humana saber produzir e interpretar a linguagem figurada. Lisardo então lembrava-me a frase aquela que escrevera Yourcenar na suas “Memórias de Hadriano”: “Exagerais muito a hipocrisia dos homens, a maior parte deles pensa muito pouco como para pensar duas vezes.”

Meu querido tio era ateu por temporadas, e, em consequência, nem sempre creia numa ordem superior que justificasse o mal deste mundo. Afeiçoado a arboricultura, tinha no jardim do seu prédio limoeiros, figueiras e eu nem sei dizer quantas espécies mais. Até pouco antes de sua morte não era infrequente surpreende-lo subido a uma dessas suas árvores. Esticado em engraçado balanço, como um Ícaro trás o sol de poente, abalava as galhas emprenhes da cima, lá onde os frutos pareciam lapas do incêndio vesperal. Era-che uma macieira bem boa a que plantara meu avô quando ele nasceu. Mas os anos não perdoam a nenhum ser vivo. Quem havia de imaginar que seria precisamente dessa árvore que o velho tio ia cair e rachar a cadeira? Não se recuperaria daquela queda e ao pouco tempo deixar-nos-ia para sempre.



Aí vai a letra deste lindo tema de Maria del Mar Bonet:

Jo no sé com has guardat la bellesa entre l'infern
ni com vas poder fugir de l'horror que t'ha esquinçat
Quan et llepo les ferides veig al fons el teu esguard
el que no puc esborrar: que hem nascut en mons apart.

Més enllà dels oceans, més enllà del crit del mar
on la pluja té l'arrel beneïda per Alà
on la llum cau dels estels, sobre un món empolsegat
s'han trobat els nostres cors, en un pont que hem aixecat.

En aquest temps que ens ha tocat
no serveix la veritat
fem un temps per el nostre amor
ple de vida, entre la mort.

Acompanyem els estels
el camí que hem inventat
el teu cor amb el meu cor
per damunt dels mons apart.

Amb la sang i la foscor que hem après a tuejar
no tenim altre moment, no l'hem pogut triar
la tristesa de la mort, dels nostres mons separats
però que doni el nostre amor, tot allò que pot donar,

Tot allò que pot donar…

30.6.07

Bem-vindos a frangulhas

Há já um tempo que me ronda a ideia de encetar um blog na língua do país. Desde sempre acreditei na inviabilidade dum galego que se não achegasse ao português tanto na ortografia quanto em todos os demais aspectos. Como dizia o professor José Paz de Ourense, a ortografia e um traje que a língua veste. Por isso, para uma língua ser apreçada, cumpre-lhe ser vestida com boas telas e não com farrapos. Desafortunadamente, a normativa oficial é uma trapalhada decalcada do espanhol.

Um blog sempre tem um componente pessoal, qualquer coisa de íntimo ou de confissão, ainda que seu carácter público o afasta dos antigos diários que levavam em segredo nossos velhos. Escrever um caderno é um modo de se não perder no caminho; faze-lo em galego uma afirmação da própria cultura e identidade. Contudo, exige um esforço adicional quando um foi educado em castelhano. Não é singelo aprender a escrever correctamente no idioma no que não sempre se fala, sobretudo em um contexto social diglóssico e com fortes preconceitos a respeito do galego por causa de seu carácter de língua camponesa e marinheira. Nossas elites preferem falar em castelhano. É por isso que o galego de aquém Minho está em perigo. Tentemos ajudar a seu renascimento ainda que a nossa contribuição não seja mais do que uma pinga no mar.