27.10.07

As Catedrais e Barreiros









A semana passada, mais uma vez encaminhamos para a Pontenova. Desde ali, percorremos o vale do Eo até sua desembocadura no mar, a rentes das vilas de Castropol, Vegadeo e Ribadeo. Esse mesmo dia os presidentes de Galiza e Astúrias reuniam-se no meio da ria para celebrar a criação da Reserva da Biosfera do Eo-Navia. Depois de visitar o centro de Rivadeo, fomos a praia das Catedrais. Como já estivéramos nela não há muito, caminhamos até a praia de Barreiros, ali perto. Chegamos as dois e meia e dispusemos jantar antes de nada: arroz com marisco foi a escolha. Depois da caminhada até Barreiros, descemos a areia das Catedrais para vaguear entre os famosíssimos arcos, mas a maré estava mudando e havia muita gente para desfrutar descansadamente do lugar. Levávamos uma bola de plástico e isso permitiu-nos jogarmos um partidinho. Por volta das seis colhemos rumo a Mondonhedo, para ver um pouco das São Lucas. A rua dos postos de venda de produtos artesanais era um universo de pessoas vindas de toda parte. Essa noite actuava Luar na Lubre. O vale e a vila, que o escritor Cunqueiro, aqui nado, tão bem descreveu, pagam a pena da viagem de uma hora e pouco desde Lugo. A catedral tem umas pinturas góticas esplêndidas, que formam um conjunto valiosíssimo e são um exemplo único no seu estilo. As que podem ser olhadas nos muros laterais representam a matança dos santos inocentes ordenada por Herodes. Aqueles foram assassinados pelos soldados do rei, deitando seu sangue num baptismo horrível. Por Jesus é que eles morreram sem que suas mães nada puderam fazer para evitarem esse sucesso de inacreditável crueldade. As espadas dilaceram a gorja dos meninos e o sangue caldo e vermelho sai a cachões, regando o aceiro e tingindo a terra junto com o doce leite dos peitos ainda despidos e as báguas abrasadoras que escorregam dos olhos desmedidamente abertos e apavorados. Infeliz história renovada em aquelas terras até o dia de hoje. O poder espavorido trucida os desamparados. Fácil é conceber que esta bela representação gráfica tinha o propósito de reviver no coração dos fieis, durante centos de anos por vir, o drama daquele holocausto inaugural, pressagio do sacrifício do cordeiro. Regressamos por Vilalba com ganhas de visitar novamente a formosa vila de Mondonhedo enquanto for possível.

18.10.07

Viagem a Taramundi













Antes de chegar a Taramundi, passamos pola Pontenova. Aproveitamos para ver os fornos onde se fundia o ferro das minas próximas. Desde aqui enviava-se por caminho-de-ferro a Rivadeo, e dali a Europa.
Partindo de Teixo, perto de Taramundi, começamos a trepada ao alto de Ouroso. O percorrido é de 8 quilómetros. Em Teixo há um albergaria municipal em um edifício das velhas escolas. A caminhada transcorre entre brejos, pinheirais e pastarias. Na vizinhança de uma pequena laguna vivem cativos muitos cavalos semi-selvagens, de quantas cores e pelagens se queira; assusto-me ao ouvir o ruído que vem de entre os pinhais. Depois, com alivio, sinto-os bufar e rinchar. Ao chegar a estrada que vai desde o Couso até o porto da Garganta a paisagem abre-se em uma esplêndida panorâmica que abrange os curutos dos Ancares leoneses, a localidade da Fonsagrada, grande parte da Marinha lucense e a comarca dos Oscos, cujas montanhas são redondas como peitos de mulher. Os nossos amigos asturianos têm uma melhor politica turística. Não há mais que ver as estradas a um lado e outro da raia. As casas tradicionais também estão muito melhor cuidadas, sem aditamentos espectaculares de alumínio e outros materiais alheios ao espírito da região. Os roteiros estão bem sinalizados e na oficina de informação podem encontrar-se brochuras informativas sobre a história e as características da comarca. A volta escutamos Mariza, nova rainha moçambicana do fado e beleza deslumbrante, e também nossa admiradíssima Chabuca Granda, bela peruana que empeçou sua carreira cantando-lhe à Lima do seu pai, a da Alameda e a Ponte de Pau, a das mansões francesas do bairro do Barranco, e terminou-a resgatando os ritmos afro-peruanos do Rimac, menosprezados pola boa sociedade limenha.

15.10.07

O nabo e o cavalo

Uma vez um homem recolheu um nabo muito grande, e foi-lho levar ao amo do povo, e o senhor deu-lhe três moedas de ouro. Então um homem que tinha um bom cavalo, disse para si:
– Se àquele deu-lhe três moedas de ouro, a mim, que lhe levo um cavalo, dar-me-á muito mais.
Quando chegou o homem à porta do castelo, disse o senhor:
– ¡Ai, meu Deus, que cavalo!, ¿quanto queres por ele?
– Não lho vendo, senhor, eu dou-lho de boa vontade.
– Nada, eu tenho que dar algo mais, e, como não tenho quartos, dar-te-ei este nabo.
E deu-lhe o nabo do outro. E, quando o homem chegou ao povo, por pouco mais mata ao outro.

Neste conto popular recolhido na província de Lugo, o que primeiro chama a atenção é a presença do amo do povo. Na época feudal isto seria o mais comum. Mas desde aqueles dias já choveu, e por isso não é provável que o breve relato nascesse daquela. Pode ser que a historia nos reenvie a tempos mais recentes, quando os fidalgos ocuparam o posto da grande nobreza absentista que morava em Madrid. O tubérculo da planta crucífera aponta claramente a província de Lugo, onde este cultivo servia com muito proveito, e serve, ainda que não exclusivamente, para o mantimento do gado, pêro também é possível que este elemento seja substituído noutros âmbitos geográficos. O que convida a reflexão nesta narração é o metal dourado das moedas do senhor. Sabemos que desde tempos imemoriais o ouro é usado como médio de intercâmbio e poupança. Também tem usos mais subtis e menos vulgares, como o de excitar a imaginação dos homens, que gostam de fazê-lo formar parte principal dos seu sonhos. Como recusar-se a acreditar nesta última asserção quando comprovamos o facto de ele estar presente nas mais variadas lendas do folclore da Europa e da Galiza. Quem não conhece neste pais uma lenda fantástica de tesouros de mouros enterrados ou mergulhados? A mim lembra-me à bolha imobiliária que tem impelido a economia nos últimos anos. No nosso pais não tem acontecido ainda a parte da troca do nabo pelo ruço.

9.10.07

Festa



O polvo é um dos pratos típicos destas festas de Outono. Mesmo assim eu continuo a preferir a carne ao caldeiro, especialmente como a amanhavam no Carvalhinho e noutras vilas de Ourense. Não quero dizer que naquela província se jante melhor do que aqui, não sou tão chauvinista: devo reconhecer que uma das mais agradáveis surpresas que levei em Lugo foi a da hospitalar costume das formidáveis tapas que se servem em todos os bares da cidade. Um outro hábito que já não me pareceu tão encantador foi o de os motoristas não respeitarem as faixas zebradas. Ainda que um transeunte caminhe de mãos dadas com crianças, o chofer com certeza recusara-se a parar. Se alguém ousa cruzar, o melhor que lhe pode acontecer é que o automóvel o evite, sem diminuir a velocidade: é preciso compreender que estão muito apressados.
Hoje vi aos lenhadores bascos trabalhar arreio na praça do seminário, dentro do programa de festejos.

7.10.07

As muralhas

As festas de São Froilão foram inauguradas ontem com o discurso pronunciado na varanda da Casa do Conselho por uma escritora nada na vila. Esta lembrou sua infância e também anedotas de outros tempos e contou uma piada muito engraçada sobre algo que aconteceu nos anos vinte: Um carro com um bocoi de vinho provocou um divertido incidente. Parece ser que a barrica rachou contra o chão da Praça Maior ao escorregar o animal de tiro. Logo, ao contemplar a bebida derramada, todos os transeuntes exclamaram que era um milagre do santo. Este foi quem de convencer a animais tais que os lobos para que colaborassem com seu trabalho evangélico, facto que acredita sem dúvidas o carácter lugués do santo home.

As festas oferecem uma grande multiplicidade de actividades para as crianças, dentro do que se chama Froilãocinho. Hoje tive uma jornada completa com os meus pequenos. Primeiro, monicreques em Campo Castelo, depois fabricação de vidro ao vivo; apôs o jantar, palhaços, e, para terminar, fogos de artificio.

Na rua bispo Aguirre não há quem consiga caminhar. O gentio das vilas e aldeias dos arredores que comparece às festas é numeroso como as areias das praias. De manhá chegou o embaixador de China para proceder ao irmanação da muralha daquele grande pais e a romana da vila de Lugo. Lembrei um velho conto de Kafka sobre a construção da muralha china: os imperadores mandaram construir a mais grande obra defensiva da humanidade ao longo de muitos milhares de quilómetros. Para não se eternizarem, organizaram equipas de pedreiros que trabalhavam em distintos sectores, as quais partiam desde um ponto determinado ao mesmo tempo que os vizinhos faziam o seu perto dali, até unirem os seus respectivos nacos. Quando rematavam a parte que lhe correspondia, apôs de junta-la com outra terminada nessa altura, a autoridade mudava-os a uma região bem distante, para que não se aborrecessem da sua missão e também para que pudessem comprovar a grandeza do esquema do que faziam parte. Gostaria de transcrever este relato. Pode que o faça logo.

Lugo regala ao visitante ainda essas lojas antiquas que parecem extraídas duma serie televisiva ambientada nos tempos escuros da ditadura. Têm vitrinas pequenas e abarrotadas de vestimentas ou qualquer outro artigo que é preciso esforçar a visão para distinguir na escuridade do interior mal iluminado, balcões de madeira gasta com um chocante ordenador que faz pestanejar de incredulidade, como se estivéssemos a olhar o encontro fortuito do guarda-chuvas e a maquina de coser sobre a mesa de operações. A cidade esta cheia de edifícios em estado ruinoso, que aos poucos se estão a reconstruir.

Eis uma foto dos Peludes:

3.10.07

Patinar

O patinagem não e um desporto que eu me propusera nunca aprender quando tinha a idade de fazê-lo. A preguiça e também a falta de oportunidade não contribuiu para que as cousas foram de uma outra maneira... Em troques, fiz judo, joguei ao futebol, como todos os meninos, tomei algumas lições de ténis e também ensaiei aprender a esquiar, ainda que logo o abandonasse sem consegui-lo verdadeiramente. Aos trinta e poucos anos ia correr e não corria pouco, por vezes mais de uma hora. Pratiquei algo de canoagem. A última aventura foi a de tentar aprender windsurf. A verdade, nunca terminei de aprender bem nenhum desporto.



Hoje levei as minhas crianças à sua primeira lição de patinagem in-line. Gostei de lhes ver a cara de felicidade quando conseguiram pôr-se em pé e avançar sobre as rodinhas, lentamente ao principio, com mais confiança depois. O próximo dia têm que trazer o capacete para evitar magoar-se na cabeça. O monitor diz que a tem oca e que se a golpeia ao cair, escachará. Perdi a oportunidade de ver aos animais das granjas que o dia de hoje passeiam polas ruas de Lugo pelo São Froilão. Foi uma pena: contaram-me que as bestas são admiráveis. O ano que vem não penso perdê-lo. Espero que cedo poda aprender a patinar, pêro esta vez a sério, e com bons professores.